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Adélaïde
Labille-Guiard, Autorretrato com duas alunas:
Senhoritas Capet e Carreaux de
Rosemond (1785),
Nova York, The Metropolitan Museum of Art.
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Adélaïde Labille era a caçula de oito filhos de um
casal de burgueses parisienses, e a maior parte de seus irmãos morreu muito
cedo. Seu pai, Claude-Edmé Labille, era comerciante e proprietário da boutique
de moda À la toilette, situada na Rue de la Ferronnerie, no bairro de
Saint-Eustache. Foi nessa boutique que Jeanne Bécu, futura Madame du Barry,
trabalhou como vendedora.
Adélaïde casou-se muito cedo, aos vinte anos, com
Nicolas Guiard, um funcionário do Receptor Geral do Clero da França. Sua
certidão de casamento, assinada em 25 de agosto de 1769, indica que Adélaïde
era pintora da Academia de Saint-Luc, portanto ela já era pintora profissional
à época. O casal viria a se separar oficialmente em 27 de julho de 1779,
divorciando-se em 1793.
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Retrato de
François-André Vincent (1783),
por Adélaïde Labille-Guiard.
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Adélaïde Labille-Guiard dominava admiravelmente a
miniatura, o pastel e a pintura a óleo, mas pouco se sabe sobre a sua formação.
Sendo mulher, estava excluída da formação oferecida pelos pintores em seus
ateliers, não podendo frequentar aulas ao lado de rapazes. Recebeu apenas
ensinamentos junto a mestres pintores, aceitando dar aulas a jovens pintoras
como retribuição.
Durante sua adolescência, Adélaïde recebeu uma
formação de miniaturista junto a François-Elie Vincent, pintor, retratistae e
hábil miniaturista. Nascido em 1708 em Genebra, François-Elie era Professor na
Academia de Saint-Luc antes de ser promovido ao cargo de Conselheiro, em 1765.
A família de Vincent era próxima de Adélaïde, por isso a artista conhecia desde
a adolescência seu futuro marido, François-André Vincent, filho de seu mestre.
Após seu casamento com Guiard, Adelaïde aprendeu a
técnica de pintura em tinta pastel junto a um mestre do gênero, Quentin de La Tour, entre 1769 e 1774, ano em
que ela expôs na Academia de Saint-Luc o retrato em pastel de um magistrado. Em
seguida, foi iniciada na pintura a óleo por seu futuro marido, François-André
Vincent.
Adélaïde foi admitida na Academia de Saint-Luc em
1769 graças a François-Élie Vincent, quando tinha somente vinte anos. Para a
sua aprovação, apresentou uma miniatura da qual nada se sabe atualmente. Fazer
parte da Academia de Saint-Luc permitiu à artista exercer profissionalmente a
sua arte. Inúmeras pintoras integravam a Academia de Saint-Luc, tendo 130 artistas
mulheres em 1777.
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Louise Élisabeth
Vigée Le Brun,
Autorretrato (1790),
Florença, Corridor de Vasari.
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Após o fechamento da Academia de Saint-Luc, o Salão
da Correspondência, (um Salão permanente) foi criado em 1779 e abriu em 1781 na
Rue de Tournon por Pahin de la Blancherie. Os artistas que não pertenciam à
Academia Real de Pintura e Escultura podiam expor ali as suas obras em troca de
uma cota mínima. Adélaïde expunha ali apenas obras em pastel, as quais eram bem
acolhidas pelos críticos.
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Retrato do pintor
Joseph Marie Vien,
por Adélaïde Labille-Guiard.
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Adélaïde se tornou conhecida como pintora e pastelista.
François-André Vincent, recém-admitido na Academia Real de Pintura e Escultura,
enviou à artista inúmeras personalidades da Academia, como Vien, os Professores
Voiriot e Bachelier, seu amigo Suvée, para que ela lhes pintasse os retratos.
Estes, admirados com o talento da artista, decidem indicá-la como candidata à Academia Real de Pintura. Em 1782, Adélaïde expôs no Salão da Correspondência
seu autorretrato em pastel e os retratos a óleo de Vincent e de Voiriot.
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O Escultor Augustin
Pajou (1783),
Pastel sobre papel azul, 71 x 59 cm,
Museu do Louvre, Paris.
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Em 1783, Adélaïde termina a série de retratos em
pastel dos acadêmicos. Foi graças ao relacionamento de sua família com Pajou,
famoso escultor, que ela recebeu a encomenda para fazer seu retrato, que foi
exposto naquele mesmo ano, sendo calorosamente acolhido graças à sua semelhança
com o retratado. Os críticos comparavam suas obras em pastel às de Quentin de
La Tour, o grande mestre do gênero. Adélaïde tornou-se, então, uma artista
reconhecida nesta área.
Sob o título de Suite
de Malborough no Salão de 17834, um autor desconhecido publicou versos em
que as pintoras Anne Vallayer-Coster, Élisabeth Vigée-Lebrun e Adélaïde
Labille-Guiard foram atacadas, assim como aconteceu com o pintor Hue durante o
Salão de 1783. Adélaïde foi acusada de ter inúmeros amantes, dentre os quais
François-André Vincent. Tratava-se de acusações mentirosas contra mulheres que
exerciam um métier então considerado como masculino, assim como contra as que,
como Adélaïde, haviam se separado de seus maridos. Assim que ficou sabendo do ocorrido, a artista
escreveu à Condessa de Angiviller, esposa do diretor dos Edifícios do Rei,
pedindo-lhe que mandasse parar a publicação dos panfletos injuriosos. A
Condessa, então, confiou à polícia esta tarefa. Todos os panfletos impressos
foram destruídos. Apesar desse incidente, os amigos artistas de Adélaïde,
como Vincent e Pajou, continuaram a
apoiá-la.
Adélaïde Labille-Guiard foi recebida na Academia
Real de Pintura e Escultura em 1783, junto com Élisabeth Vigée-Lebrun. Enquanto
Vigée-Lebrun conseguiu sua nomeação graças à Rainha, Adélaïde deveu a sua aos seus
amigos acadêmicos.
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Jacques Sarrazin
(1592-1660),
escultor, por François Lemaire (1657),
Castelos de Versailles e do
Trianon.
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A primeira efígie de artista que serviu como recepção
foi a do escultor Jacques Sarrazin pintada por François Lemaire para a sua
recepção em 1657. Com dimensões
padronizadas, as efígies de artistas representavam principalmente os pintores
da História ou escultores, usando peruca, em pé ou sentados em seus ateliers, geralmente
segurando o crayon, a paleta ou o cinzel e rodeados de objetos decorativos que
mostravam suas especialidades: cavalete, papelão para desenho, goiva, malho, mármore
etc. Adélaïde seguiu esta tradição com seu primeiro trabalho de recepção na Academia,
apresentado no Salão de 1783: o retrato de Pajou esculpindo um busto de Lemoyne (11º parágrafo),
obra com a qual esse escultor obteve um grande sucesso. Adélaïde
Labille-Guiard, assim como os retratistas La Tour et Duplessis, varia a entrega
de sua segunda obra de recepção.
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Retrato de
Charles Amédée Philippe van Loo
(1785), Castelo de Versailles.
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No Salão de 1785 o incidente dos panfletos atacando
Adélaïde e as outras artistas já havia sido esquecido. Acadêmicos influentes
aceitaram posar para a artista, como Jacques Vernet, Charles-Nicolas Cochin e
Amédée Van Loo. Esses retratos foram apresentados no Salão junto ao seu
Autorretrato com Duas Alunas e outros retratos de diversas mulheres da alta
sociedade, dentre os quais os da Condessa de Flahaut, cunhada do Diretor dos
Edifícios do Rei e irmã da Condessa de Angiviller. Pode-se entender este
retrato como um apoio oficial desta família à pintora. Os críticos sempre se
mantiveram elogiosos ao trabalho da artista.
Graças ao apoio do Diretor dos Edifícios do Rei, Adélaïde
obteve um salário em 1785, quando a artista enfrentava uma difícil situação
financeira, estando separada de seu primeiro marido, Guiard. Para conseguir se
manter, começou a dar aulas para moças, dentre as quais Marie-Gabrielle Capet.
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Madame Adélaïde de
França
em 1787, por
Adélaïde Labille-Guiard (1787),
Castelo de Versailles.
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Adélaïde foi convidada ao Castelo de Versailles
para fazer o retrato de Mesdames de França (as filhas do Rei Luís XV), das tias
do Rei Luís XVI e de Madame Élisabeth, a irmã do Rei, em 1786. Ela era uma pintora reconhecida, membro da Academia Real de Pintura. Estas
encomendas da Família Real deu a Adélaïde uma grande notoriedade entre os membros
da nobreza. As tias do Rei, satisfeitas com seus retratos, reivindicaram para
sua pintora o título e brevet de “Pintora de Mesdames”, o qual lhe foi
concedido em 1787. Ela partilhou esta honraria com o pintor alemão Johann
Julius Heinsius. Adélaïde Labille-Guiard expôs no Salão de 1787 os retratos em
pastel de três princesas: Madame Élisabeth, Madame Adélaïde em traje de gala e
Madame Victoire. Em seu retrato, Madame Adélaïde está em pé junto ao medalhão
de seu pai, Luís XV, de sua mãe e de seu irmão já falecidos. O objetivo era
mostrá-la em todo o seu esplendor.
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Retrato de
Madame de Genlis
(1790), por
Adélaïde Labille-Guiard.
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Em 1790, a Revolução Francesa obrigou Adélaïde a ir
em busca de uma outra clientela no agitadíssimo meio político. Foi então apresentada ao círculo de amizades do Duque de Orléans, como mostra o retrato
de Madame de Genlis, amante do Duque. Na mesma época, Adélaïde defendeu a ideia de que a
Academia Real de Pintura fosse aberta a todas as mulheres, sem número limitado,
sendo apoiada por seus amigos Vincent, Pajou, Gois e Miger, mas o voto não foi
considerado como válido. Em 1791, as tias do Rei Luís XVI se refugiaram na
Itália, obrigando Adélaïde a encontrar novos patronos. Pintou, então, os
retratos de quatorze deputados da Assembleia Nacional, dentre os quais o de
Talleyrand. Em contrapartida, este propôs à Assembleia de dar às mulheres
pobres os meios de subsistir através dos frutos de seus trabalhos. O retrato de
Robespierre feito por Adélaïde é conhecido por seu enquadramento inovador e seu
fundo neutro. As críticas foram boas, e a artista teve seu trabalho em Paris
garantido pelos novos poderosos.
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Retrato de
Maximilien
de Robespierre (1791),
por Adélaïde Labille-Guiard.
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Em1792, Adélaïde precisou deixar Paris, já que
recebia uma pensão do Rei e corria o risco de ser presa como apoiadora da
monarquia, passando um tempo em Pontault-en-Brie com o marido, François-André
Vincent. No ano seguinte, durante o Terror, a artista foi forçada a destruir
seu grande quadro Recepção de um Cavaleiro da Ordem de São Lázaro por Monsieur,
no qual ela travalhava havia anos. Tratava-se do retrato do irmão de Luís XVI.
Sob o choque da perda de sua obra, Adélaïde não participou do Salão de 1793,
interrompendo sua carreira artística por um tempo.
Joachim Lebreton
(1795), por
Adélaïde Labille-Guiard.
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Graças a Joachim Lebreton, chefe dos escritórios
dos Museus, Adélaïde obteve uma pensão maior em 1795 e um alojamento no Colégio
das Quatro Nações. Ela possuía também um atelier no Instituto da França. No
Salão desse mesmo ano, expôs os retratos de Joachim Breton e de François-André
Vincent. Ela continuou a expor retratos nos Salões entre 1798 e 1800, sendo
sempre bem vista pelos poderosos graças à sua atitude favorável à Revolução.
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Retrato de
François-André
Vincent
(1795), seu marido,
Paris, Museu do Louvre.
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No Século XVIII, era proibido às mulheres copiar modelos vivos, pois isto era considerado contrário à decência. Deste modo, as artistas
plásticas que quisessem retratar modelos vivos deveriam ter uma carreira
autodidata. Esta limitação imposta pela sociedade ao aprendizado das mulheres
artistas explica por que elas faziam principalmente retratos de busto. Adélaïde
não era diferente de suas coirmãs, pintando apenas retratos cortados na cintura
ou no peito em tinta pastel ou a óleo. O pastel, ainda que fosse difícil a
dominar, era considerado uma técnica feminina. De fato, ele é ideal para pintar
retratos de busto sobre pequenas superfícies de papel. O retrato em pastel é um
retrato íntimo. A tinta a óleo era escolhida para representar a família em
retratos oficiais. As obras de Adélaïde são reconhecidas por seu realismo e, ao
contrário de Élisabeth Vigée-Lebrun, ela não retocava os rostos de seus
modelos.
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Madame Victoire de
França
(1787-88), por
Adélaïde Labille-Guiard.
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Das cerca de setenta obras de Adélaïde
Labille-Guiard conhecidas atualmente, menos de uma dúzia são retratos em que os
modelos aparecem em pé, encomendas de pessoas ilustres, como Madame Victoire ou
o pintor Van Loo. A maior parte das pessoas retratadas por Adélaïde são
mulheres. Os retratos de homens que ela pintou são geralmente de conhecidos ou de
seus amigos, especialmente de seu marido, o pintor François-André Vincent. Os retratos
masculinos foram feitos com o objetivo de alavancar sua carreira. Esta escolha
de Adélaïde por seus conhecidos não era algo original para a época. Era uma
escolha partilhada por outras artistas. Adélaïde passou a prestar mais atenção
aos seus modelos masculinos após o escândalo dos panfletos durante o Salão de
1783.
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Autorretrato de
Adélaïde
Labille-Guiard (1774),
miniatura oval sobre marfim,
atualmente conservada no
Museo
Lázaro Galdiano, Madrid.
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Ao menos dois autorretratos foram pintados por
Adélaïde. Este tipo de retrato é reconhecido, uma vez que os artistas às vezes
ofereciam seus autorretratos à Academia Real, como por exemplo o “Autorretrato
de Rigaud usando turbante”, doado pelo pintor em 1743; ou “Autorretrato de
Charles Antoine Coypel” oferecido pelo artista em 1746. A ideia do autorretrato
se desenvolveu na França no meio do Século XVII, sendo sobretudo destinado à
exaltação da atividade artística. Os artistas se representavam de bom grado em
grandes composições históricas, em retratos coletivos ou ainda em pinturas de gênero
familiar ou anedóticas. No caso de Adélaïde, tratava-se antes de mais nada
de se apresentar como pintora e mulher. Daí observarmos em seus autorretratos
um cuidado particular tanto com suas vestes quanto com seus atributos de
pintora. Em seu autorretrato em pastel, Adélaïde se apresenta como pintora, com
pincéis e paleta diante de uma tela, tendo um cuidado particular – como em suas
outras obras – com a trama do tecido e com as rendas.
Em 1787, no seu Autorretrato com Duas Alunas, a
artista decidiu se representar em todo o esplendor adquirido com seu status de
pintora da Academia, usando um vestido caro que retém a luz. Temos que admirar
o talento da pintora na representação deste vestido. Ela traz consigo seus
pincéis e sua paleta, mas o espectador a vê agora pelos olhos da própria
modelo. Atrás de Adélaïde estão suas duas alunas, Marie-Gabrielle Capet e
Marie-Marguerite Carreaux de Rosemond.
Tradução e Adaptação:
Gisèle Pimentel
Referências: