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Paisagem do Rio de Janeiro,
Georgina de Albuquerque, 19__?
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Georgina Moura Andrade de Albuquerque foi uma
pintora, desenhista e professora brasileira que nasceu em Taubaté, SP, em 4 de
fevereiro de 1885 e morreu no Rio de Janeiro, RJ, em 29 de agosto de 1962. Considerada uma das primeiras mulheres brasileiras
a conseguir firmar-se internacionalmente como artista, Georgina foi também
pioneira na pintura histórica nacional. Tal
gênero artístico permaneceu restrito ao universo masculino até 1922, quando a
artista expôs a obra Sessão do Conselho
de Estado. A composição estética da pintura rompeu com os paradigmas
academicistas vigentes ao colocar uma mulher como protagonista de um momento
histórico brasileiro. Além da
pintura histórica, a obra de Georgina também apresenta telas de naturezas-mortas,
nus artísticos, retratos, cenas do quotidiano, bem como paisagens urbanas,
provincianas e marinhas. Georgina foi
ainda a primeira mulher a ocupar a diretoria da Escola Nacional de Belas Artes,
no Rio de Janeiro, onde estudou e lecionou.
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Lady,
Georgina de
Albuquerque,
1906.
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Georgina iniciou os estudos em pintura aos 15 anos,
em 1900, na cidade de Taubaté. Sob a tutela do pintor italiano Rosalbino
Santoro, que vivia na casa dela, a artista aprendeu os princípios básicos da
pintura, como aplicar as leis da perspectiva e as técnicas de mistura de
tintas. Como aluna de Santoro, Georgina
expôs pela primeira vez, em 1903, na X Exposição Geral de Belas Artes.
Em 1904, aos 19 anos, Georgina mudou-se para a
cidade do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, ela ingressou na Escola
Nacional de Belas Artes, onde foi aluna do pintor Henrique Bernardelli, irmão
do escultor Rodolfo Bernardelli e do pintor Félix Bernardelli. Henrique
lecionou na escola até 1906, quando foi substituído por Eliseu Visconti. Um ano após ter ingressado na Escola
Nacional de Belas Artes, Georgina participou da XII Exposição Geral[7] mas sem declarar que pertencia à
instituição, destacando apenas o nome do mestre dela, Bernardelli.
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Georgina, Lucílio e
os filhos.
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Em março de 1906, Georgina casou-se com o pintor
piauiense Lucílio de Albuquerque, que ela havia conhecido na Escola Nacional de
Belas Artes. Laureado, em 1905, com um prêmio que lhe garantia uma viagem ao
exterior, Lucílio foi à França no ano seguinte, acompanhado da esposa, para
estudar. Georgina completaria a formação artística dela frequentando a École Nationale Supérieure des Beaux-Arts
(Escola Nacional
Superior de Belas Artes) e as aulas livres da Academia Julian. Ela se
tornou a primeira mulher brasileira a obter sucesso nas rígidas avaliações de
ingresso da Escola Nacional de Belas Artes francesa.
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Moças,
Georgina de
Albuquerque,
19__?
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Durante a estadia dela na Europa, a brasileira foi
fortemente influenciada pelas técnicas pictóricas impressionistas, nas quais os artistas buscam representar
as formas tais como elas se apresentam sob a deformação da luz. Ela e o marido permanecerem por cinco anos
em viagem de aprendizado na França.
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Paisagem com Rio,
Georgina de Albuquerque,
19__?
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Embora tenha frequentado as aulas livres dos
estúdios de Julian, não subsistiram registros que confirmem a passagem de
Georgina pela Academia. O mesmo aconteceu com a escultora brasileira Julieta de
França, que foi ao país estudar após vencer o Prêmio de Viagem da Escola
Nacional de Belas Artes, em 1900. Isso se deve ao fato de que os arquivos
relativos aos ateliês femininos não eram preservados.
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Retrato de
Georgina
de Albuquerque,
Lucílio de Albuquerque,
1907.
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Fixada a residência do casal em Paris, Georgina
entrou em contato com artistas como Paul Gervais e Decheneau, os quais
lecionavam na École Nationale Supérieure
des Beaux-Arts (Escola Nacional Superior de Belas
Artes). Já na Academia
Julian, a pintora paulista conheceu o artista Henry Royer, do qual foi aluna.
Tendo como chave da formação o desenho, a Academia Julian exigia
"destreza, trabalho e paciência dos seus estudantes", como aponta Ana
Paula Cavalcanti Simioni.
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A Forja,
Georgina de
Albuquerque,
19__?
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A valorização da técnica pictórica do desenho em
sua formação teria influenciado, posteriormente, Georgina a redigir a tese
acadêmica O Desenho Como Base no Ensino
das Artes Plásticas (1942). Nela, a autora defende a noção de que os
diferentes estilos e as diferentes épocas das civilizações podem ser
caracterizados pelo desenho.
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Crianças,
Georgina de
Albuquerque, 19__?
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De acordo com o pintor e crítico de arte Quirino
Campofiorito, apesar de Georgina ter alcançado o quarto lugar no processo
seletivo de ingresso na École Nationale
Supérieure des Beaux-Arts (Escola Nacional Superior de Belas Artes), ela
não apresentou “igual produtividade” à de Lucílio durante a estadia dos dois em
Paris. Para ele, isso pode ser associado ao nascimento dos filhos do casal, uma
vez que “os encargos domésticos eram
irremovíveis à figura materna”.
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Paisagem,
Georgina de
Albuquerque, 19__?
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Em 1920, Georgina tornou-se a primeira mulher
brasileira a participar de um júri de pintura. Tal fato foi resultado da medalha de ouro que ela recebeu um ano antes,
na Exposição Geral de Belas-Artes de 1919. Participar de um jurado de pintura
ajudou a pintora paulista a consolidar uma base institucional, assim como uma
posição bem-sucedida dentro da Academia.
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Sessão do Conselho de
Estado,
Georgina de Albuquerque, 1922.
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Um dos anos mais emblemáticos para a maturação do
estilo artístico de Georgina de Albuquerque foi 1922. Até então, a pintura
histórica brasileira era restrita ao universo masculino. Entretanto, com a obra
Sessão do Conselho de Estado (óleo
sobre tela, 210 cm x 265 cm[19]), Georgina
rompe com esse paradigma, tornando-se a primeira pintora histórica brasileira
de que se tem registro. Nesta obra, a
artista apresenta uma visão até então inexplorada sobre as representações da
Independência do Brasil. Diferentemente da imagem de um processo de
independência heroico (como é o caso de Independência
ou Morte,1888, de Pedro Américo de Figueiredo), Georgina procura abordar o
episódio da perspectiva de um evento diplomático, realizado dentro de um
gabinete, e tendo como figura central uma mulher: a Imperatriz Maria
Leopoldina.
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Primavera,
Georgina
de Albuquerque, 1926.
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No ano de 1927, Georgina passou a fazer parte do
corpo da Escola Nacional de Belas Artes como livre-docente. Posteriormente, ela
assumiu o posto de catedrática-interina, tornando-se, em 1952, a primeira
mulher a ocupar a diretoria da instituição.
As pinturas de Georgina de Albuquerque trazem, como
influência, as técnicas pictóricas do Impressionismo e suas derivações. Isso se manifesta na escolha das paletas de
cores, que são exploradas por meio das incidências luminosas e da vibração
cromática do quadro. As obras da
pintora paulista radicada na capital fluminense também são reconhecidas pelo
tratamento da cor e pelo domínio do desenho da figura humana. Nos trabalhos de Georgina há a prevalência
de cores claras, resultantes da pesquisa da artista em relação aos efeitos de
sol sobre os corpos humanos, como aponta Angyone Costa.
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Canto do Rio,
Georgina de Albuquerque, 1926.
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Em 1911, Georgina retornou ao Brasil acompanhada
pelo marido Lucílio e pelos filhos deles. Influenciada
pela estética impressionista, a artista passou a reproduzir nos trabalhos dela
os ensinamentos recebidos ao longo dos cinco anos em que esteve na Europa. De acordo com Arthur Gomes Valle, a
influência da técnica pictórica impressionista pode ser associada ao contato de
Georgina com os trabalhos de artistas como Paul Gervais, de quem foi aluna na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts (Escola
Nacional Superior de Belas Artes). Para Valle, uma obra de Georgina que representa a
influência estética do impressionismo é a pintura Flor de Manacá (óleo sobre
tela, 150 x 130 cm). Nela, a pintora
utiliza um tratamento formal baseado na "fatura livre" e "na
exacerbação da vibração cromática do quadro". Ainda de acordo com Valle, é
possível estabelecer uma relação de parentesco entre o procedimento formal que
Gervais empregava em seus quadros e o de Georgina. Conforme explica, a semelhança
se evidencia nas pinceladas livres e no caráter "anedótico" das
formas que são representadas.
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Roceira,
Georgina de
Albuquerque, 1930.
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O rótulo de pintora impressionista comumente dado a
Georgina de Albuquerque é, no entanto, controverso e questionado por críticos
de arte como José Roberto Teixeira Leite e Quirino Campofiorito. Para este, o
impressionismo europeu foi reproduzido na arte brasileira de forma “diluída”, “sem sua inteira autenticidade”, em um contexto no qual “lhe são adicionados certos preconceitos de
técnica e forma”. Portanto, de
acordo com Campofiorito, as produções artísticas de Georgina dos anos 1910 não
poderiam ser classificadas como desdobramentos da pintura impressionista
europeia. Este posicionamento é reafirmado por Teixeira Leite, o qual afirma
que a pintora paulista teria apenas um entendimento “singelo” do que seria a técnica pictórica impressionista.
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Mulher com Criança no
Parque,
Georgina de Albuquerque, 19__?
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Diante da dificuldade de encaixar Georgina
de Albuquerque entre os movimentos artísticos da época, estudiosos e críticos
de arte tendem a classificá-la como uma “pintora
eclética”. De acordo com Arthur Gomes Valle, essa classificação é, no
entanto, reducionista, uma vez que a noção do conceito de ecletismo dentro da
pintura do período criativo da artista é vaga e fluida.
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No Cafezal,
Georgina
de Albuquerque, 1951.
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A Charrete,
Georgina
de Albuquerque, 1962.
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A pintura histórica Sessão do Conselho de Estado é considerada uma das obras mais
emblemáticas de Georgina de Albuquerque. Pintado a partir da técnica óleo sobre
tela, em um panorama de 210 cm por 265 cm, o quadro foi confeccionado em função
do edital de Comissão Executiva do Centenário — Secção de Belas Artes, em
comemoração aos 100 anos de proclamação de Independência do Brasil. A obra foi
exposta pela primeira vez como parte da Exposição de Arte Contemporânea e Arte
Retrospectiva do Centenário da Independência, inaugurada em 12 de novembro de
1922. Atualmente, encontra-se no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. A
produção da pintora paulista é considerada pioneira por diversos aspectos. Além
de ser a primeira pintura histórica feita por uma mulher, Sessão do Conselho de Estado apresenta o episódio de Independência do
Brasil como um evento diplomático realizado dentro de um gabinete, em vez de
retratá-lo como um evento histórico triunfal, marcado pelas cenas de guerra em
que se destaca a figura heroica masculina. De
acordo com a pesquisadora Ana Paula Cavalcanti Simioni, o quadro transita entre
“discretas ousadias e convenções”. Para
ela, isso se deve ao fato de que, pela primeira vez, Georgina de Albuquerque se
aventurou a pintar uma tela com motivo heroico, no qual ela deslocava o ato da
independência — heroicamente retratado pelas figuras masculinas em
Independência ou Morte, de Pedro Américo — para o interior de um gabinete,
dando protagonismo político à figura feminina e contrariando certas
expectativas que até então serviam de respaldo à visão dos elementos que
deveriam aparecer em uma pintura histórica. No entanto, Simioni atribui à obra um
certo “conservadorismo” em relação à
forma e à técnica utilizadas. Isto, por sua vez, pode ser atribuído ao viés
academicista dado por Georgina de Albuquerque às suas obras.
É possível ainda analisar Sessão do Conselho de
Estado partindo de um viés feminista, uma vez que o ano de 1922 foi marcado
pela luta feminina em obter o direito ao voto e à cidadania plena. Nesse ano,
ocorreu no Brasil o Primeiro Congresso Feminista, organizado por Bertha Lutz,
responsável também por fundar, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino.
Simioni chama atenção ao fato de que a obra de
Georgina de Albuquerque surge em um momento histórico-social no qual as mulheres
que desejavam seguir a carreira artística enfrentavam dificuldades de gênero.
Isso se devia ao caráter excludente do sistema acadêmico, que impedia alunas de
frequentarem aulas de desenho e estudo do nu artístico, fase fundamental para a
formação da carreira do artista. Dentro
desse contexto, Vicentis defende que a composição de Sessão do Conselho de Estado oferece respaldo à luta feminista pelo
reconhecimento do direito da mulher ao voto e à cidadania plena ao retratar,
pela primeira vez, uma mulher decidindo os rumos da política do Brasil.
Para produzir Sessão do Conselho de Estado,
Georgina, na composição estética, buscou retratar um acontecimento que
colocasse a princesa regente Maria Leopoldina como apoiadora da libertação do
Brasil em relação à Corte Portuguesa. Para isso, a artista recorreu a fontes do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como forma de fundamentar sua
pesquisa para compor o episódio. Como
aponta Paulo de Vicentis na dissertação Pintura
Histórica no Salão do Centenário da Independência do Brasil (2015), é
possível traçar semelhanças entre a aparência física de Maria Leopoldina na
obra de Georgina com um perfil da Imperatriz feito por Jean-Baptiste Debret, o
qual se encontra na publicação Voyage
Pitoresque et Historique au Brésil (Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil, 1836).
O quadro apresenta Maria Leopoldina em uma sala com
seus Conselheiros de Estado. Sentada em uma cadeira de alto espaldar, ela traz
às mãos os despachos da Corte, que entre outras medidas exigiam o retorno de D.
Pedro I a Portugal e que fosse restabelecido o controle exclusivo colonial. Além
de Maria Leopoldina, também estão representados na obra: José Bonifácio de
Andrada e Silva (em pé e diante da Princesa), Martim Francisco de Andrada e
Silva (sentado no lado contíguo da mesa em que Maria Leopoldina se encontra),
José Clemente Pereira (atrás de Martim Francisco), Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, Manoel Antonio Farinha, Lucas José Obes (o Conselheiro Obes) e Luiz
Pereira da Nóbrega.
À época, a obra foi bem recebida pela crítica de
arte brasileira. Ercole Cremona (pseudônimo de Adalberto de Mattos) escreveu
sobre Sessão do Conselho de Estado para
a revista Illustração Brasileira: “Georgina de Albuquerque apresenta a Sessão
do Conselho de Estado que decidiu a independência, um bello trabalho inspirado
nos conceitos de Rocha Pombo: [...] Georgina de Albuquerque emprestou toda a
sua grande alma, todo o seu sentimento e a maravilhosa technica ao quadro, onde
há figuras movimentadas e bem desenhadas, attitudes resolvidas e gammas
resolvidas com grande saber.”
A Revista da
Semana, por sua vez, escreveu que o tema tratado por Georgina de
Albuquerque no quadro foi realizado “em
tela de grandes dimensões, inclinadas ao gosto moderno, alegre aos olhos pela
polychromia, grata aos animos pelo assumpto.” No entanto, numa crônica
divulgada em O Jornal para o Salão de
1922, o autor declarava que à obra faltava "mais
caracter para a figura de José Bonifácio". Além disso, ele também afirmava
que "o fundo do quadro não se
apresenta plenamente resolvido, mas o conjunto se equilibra de maneira muito
apreciável."
Adaptação
Gisèle Pimentel
Fontes